domingo, 19 de maio de 2013

EDITORIAL 19/05/2013 - SISU E DEMOCRATIZAÇÃO RELATIVA



O SISU – Sistema de Seleção Unificada, foi criado pelo Ministério da Educação – MEC para centralizar a distribuição das vagas da Instituições de Ensino Superior – IES públicas, com base nas notas do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM.
O SISU funda sua existência em certos argumentos, dentre os quais,  com base em alguns dados reais, de que democratizaria o processo de distribuição das vagas nas IES públicas, federais ou estaduais. A parte correta deste discurso está no fato de que, realmente, boa parte dessas vagas eram ocupadas por alunos de classes sociais elevadas, que “poderiam pagar pelos seus estudos”. A parte equivocada é que, pelo fato de não haver uma educação básica que garanta a todos, independentemente de classes sociais, iguais condições para fazer as provas do ENEM, essa democratização se torna uma falácia.
Antes de discutir o SISU e o ENEM, cabe fazer um breve destaque sobre a forma manipulativa com que tem sido tratadas algumas questões de ordem social, econômica, religiosa, dentre outras. Não temos, no Brasil, uma Constituição para as diferentes classes, ou categorias sociais. Não temos serviços públicos para pobres e outros para ricos. Se a distribuição das vagas das IES públicas privilegiava as classes mais elevadas e, se existe um vilão nessa história, este se encontra na educação básica.
Antes que me acusem de ser um defensor das classes privilegiadas, quero registrar que, em minha época, como adolescente nascido e criado em um pobre município da Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, sofri aos montes para passar no vestibular (1997) – último vestibular unificado da Fundação CESGRANRIO, conseguindo uma vaga para o curso de Matemática na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.


Após entrar na faculdade, percebi sim que havia diferenças sociais grandes, principalmente para os cursos mais badalados, tais como os de Engenharia, Veterinária e Agronomia. Mas percebi também que a parte “fácil” teria sido entrar na faculdade. O difícil ainda estaria por vir, que era sobreviver física, psicológica e academicamente.
No contexto da época, não que hoje seja tão diferente assim, encontravam-se as IES públicas em um estado de sucateamento bastante grande. Alojamentos sem estrutura mínima, bandejões (Restaurante Universitário) disponibilizando uma alimentação de péssima qualidade (minha gastrite fica atacada sempre que me lembro do bandejão), bibliotecas sucateadas etc. Mesmo não pagando mensalidades, havia um gasto grande com alimentação, transporte, livros etc.
Para minimizar os gastos, resolvi enfrentar os alojamentos e o bandejão, daí as dificuldades de sobrevivência física. As dificuldades psicológicas surgem pela imposição do desafio de sobreviver por quatro anos, nas condições narradas anteriormente, mantendo um certo distanciamento da família, visto que, sem as vantagens da internet e da telefonia de hoje, somente era possível estabelecer contato com a família em alguns finais de semana e nos períodos de férias, quando as rotineiras greves possibilitavam tirar férias.
A sobrevivência acadêmica não era menos pior, pois era comum ouvir dos professores que, por ser aluno numa universidade federal, meus colegas e eu teríamos a obrigação de ter todos os conhecimentos prévios, teoricamente trabalhados na educação básica, para acompanhas às aulas, e que não iriam perder tempo tirando dúvidas acerca de elementos basilares da disciplina.
Tendo consciência das lacunas de formação básica, sabia que tinha que dar dois passos para trás antes de dar um para a frente.
Considerando que a educação básica não teve “melhoras” consideráveis de minha época para hoje, as dificuldades dos atuais estudantes não serão tão diferentes.
Continuará havendo um certo privilégio dos alunos mais bem preparados, ou treinados, para o acesso às vagas nas IES públicas. Com o SISU, a disputa que era regional passou a ser nacional, pois estudantes das regiões com os melhores sistemas educacionais, seja da rede pública ou privada, disputarão as vagas com os alunos de regiões menos privilegiadas.
Em 2013, segundo dados do MEC, apresentados numa matéria publicada pelo G1 (disponível em: http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/05/paulistas-sao-os-que-mais-papam-vagas-do-sisu-em-outros-estados.html), 15.671 jovens foram estudar em outro estado, o que representa algo em torno de 13% dos aprovados no SISU.
Desse total, 4.839 saíram de São Paulo, cujas IES estaduais - Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Estadual Paulista (Unesp), “têm vestibular próprio e oferecem, juntas, mais de 20 mil vagas, mais que o dobro da oferta das instituições federais paulistas e um sexto de todas as vagas oferecidas no Brasil durante o Sisu do primeiro semestre”.
Não podemos “entrar na pilha” do discurso panfletário e começar a culpar os paulistas. Não foram os estudantes que criaram as regras, eles apenas estão sabendo utilizá-las para seu benefício, o que para mim será uma tendência a ser observada pelos próximos anos.
Não precisaríamos de SISU, sistema de cotas, dentre outras politicagens, se tivéssemos uma educação básica de qualidade. Porém, como não a temos, essas políticas poderão gerar alguns resultados, no entanto, menores do que os ditos em discurso.
Cabe mais um alerta. A expansão das vagas nas IES públicas, gerada principalmente pelos incentivos do REUNI - Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, tem levado recursos financeiros para essas instituições numa proporção menor que a do número de alunos. Ou seja, se por um lado as IES públicas estão recebendo mais recursos financeiros, em valores brutos, o investimento por aluno não acompanha a mesma proporção de antes.
Além disso, já é visível a queda de qualidade do ensino nas IES públicas, que já não são mais vistas como únicas, ou principais referências de qualidade na formação superior.
Há pelo menos cinco anos, eu fazia um exercício de futurologia com alguns colegas professores, prevendo, em função dos movimentos gerados pelas políticas públicas educacionais, essa queda de qualidade das IES públicas. Na época, eu falei para os colegas que o cenário visto nas escolas públicas da educação básica, em sua maioria, seria o mesmo cenário que perceberíamos, em cinco ou dez anos, nas instituições públicas de ensino superior.
Espero estar errado. Em verdade desejo estar certo, mas que o cenário seja de uma educação pública, básica, superior ou profissional de qualidade para todos, independentemente de credos, cores, raças, classes, gêneros, ou qualquer outro meio de segregação.
Esta é a minha opinião.
Abraços e até breve.

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Quem sou eu

André Luiz Monsores de Assumpção é matemático, educador, professor universitário e escritor. Mestre em Educação Matemática. Foi Coordenador dos cursos de Licenciatura em Matemática e Licenciatura em Pedagogia, Pro-Reitor de Graduação do Centro Universitário, Diretor Geral de IES e Gerente Acadêmico. Consultor educacional. Alice Soares Monsores de Assumpção é advogada, professora universitária e de cursos preparatórios para concursos, graduação e pós-graduação, assessora legislativa e consultora. Mediadora Judicial. Mestre em direito pela UERJ.