Nesta última quarta-feira (08/02/2016), o Senado Brasileiro aprovou a MP que provoca mudanças no Ensino Médio Brasileiro.
Este tema tem sido veiculado nos meios de comunicação desde que o novo presidente, Michel Temer, publicou a MP 746 de 22/09/2016 que, além de outras providências, institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, alterando a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e a Lei nº 11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.
As mudanças previstas na MP geraram grandes críticas no meio acadêmico e político, em especial pela falta de debate com a sociedade e com os especialistas da educação.
A urgência com que a MP foi publicada e aprovada pelas casas legislativas por si só já nos remete a um rol de especulações sobre a legitimidade e as intenções dessas medidas. Por mais que saibamos dos problemas da educação brasileira, as medidas, quando discutidas, não necessariamente sseguram melhorias em curto prazo, quanto mais quando são impostas de forma ditatorial.
Com o objetivo de apontar algumas das alterações definidas na MP, apresento abaixo as comparações entre os textos (MP e LDB) desses pontos polêmicos, inserindo, também de forma especulativa, alguns questionamentos e interpretações. Nesta comparação utilizo o quadro apresentado na matéria do G1, publicada no dia 22 de setembro de 2016.
(1)
Carga
Horária do Ensino Médio
LDB
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MP
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800 horas anuais, em 3 anos, tendo cada ano um mínimo de 200 dias letivos. | Institui a ampliação progressiva para 1400 horas e não define a quantidade mínima de dias letivos. |
É sabido que o sistema educacional brasileiro possui uma das menores cargas horárias médias (4 horas diárias). Considerando a mesma quantidade de dias letivos, o que não está certo, essa média poderia subir para 7 horas. Porém, algumas questões precisam ser observadas:
a) Não basta o aumento da carga horária diária, sem um planejamento efetivo do uso dessas horas. Além disso, a qualidade dessas horas também precisa ser observada, pois não adianta, utilizando um jargão comum, “fazer mais do mesmo”.
b) A não definição de uma quantidade mínima de dias letivos poderia não ser um problema, pois, neste atributo, temos uma quantidade de dias letivos superior a vários países com melhores resultados educacionais em nível básico. Porém, em se tratando de Brasil, devemos observar como essa carga horária será implementada ao longo do ano, pois dessa maneira a especulação sobre a utilização de recursos da EAD para a implementação dessa carga horária.
É até viável se imaginar a possibilidade de implementação de modelos híbridos de ensino. Porém, nessas metodologias, a carga horária de sala de aula não é reduzida em detrimento das atividades na modalidade EAD.
(2) Disciplinas Obrigatórias
LDB
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MP
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Artes, educação física, filosofia e sociologia estavam incluídas como obrigatórios no currículo. | Ficou indefinido, dependendo da criação da Base Nacional Comum Curricular - BNCC. |
Nesse ponto, devemos levar em consideração que o currículo do ensino médio sofreu um inchaço nos últimos anos. Isso se deve, entre outras questões, pela interpretação, no meu entendimento, bastante equivocada, de que o tratamento de uma área de conhecimento necessita ser feita pela inclusão de disciplinas específicas. Além disso, a criação de uma BNCC já estava sendo tratada desde antes da MP.
Entendo que, a partir disso, a sociedade civil, as universidades e demais entidades que discutem a educação em nosso país precisam atentar para a construção dessas bases, de modo que possam representar as necessidades e os interesses da sociedade contemporânea.
(3) Ensino Técnico
LDB
|
MP
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Já havia a previsão de integração entre ensino técnico e profissionalizante ao ensino médio. | A formação técnica passa a ter peso semelhante às quatro áreas do conhecimento. Ressalta-se a inclusão de uma “experiência prática de trabalho no setor produtivo”. |
O ensino profissionalizante no Brasil necessita de alterações, principalmente na definição das instituições que realmente possuem expertise para a sua oferta. Porém, a alteração proposta na MP impõe uma necessária vinculação do ensino médio com a formação profisisonal, tal como já ocorrido no país em legislações anteriores.
Numa economia em mudanças e considerando as alterações de perfil profissional em decorrência de inovações tecnológicas, não vejo essa vinculação como prudente. A escola não tem como prever quais serão as competências específicas que esses alunos deverão desenvolver ao longo dos três anos do ensino médio, para que possam ter assegurada uma profissão ao longo de sua vida.
Formação para a vida não é sinônimo de desenvolvimento de uma competência específica para o desempenho de uma função que amanhã poderá não mais existir. Ao contrário disso, a escola deveria estar comprometida com a construção de competências que possibilitem a autonomia cognitiva aos seus alunos. Além disso, a maior parte das escolas não possuem estrutura e profissionais preparados para tal mudança. Neste sentido, as políticas deveriam estar voltadas ao fortalecimento dos Institutos Federais de Ensino e de parcerias com, por exemplo, as escolas de formação profissional do Sistema S.
(4) Professores
LDB
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MP
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Exige que todos os trabalhadores de educação tenham diploma técnico ou superior em área pedagógica ou afim. | Possibilita que as redes de ensino e escolas contratem profissionais de notório saber para dar aulas afins a sua formação |
Como profissional da educação, essa é, para mim, a mais preocupante das alterações. A impressão que temos é a de que, no Brasil, a educação ainda é vista como um sacerdócio e não como uma atividade profissional necessitando, portanto, de uma formação específica e de qualidade.
É evidente que, em se tratando de disciplinas técnicas, principalmente de cursos profissionalizantes, o conhecimento prático é fundamental. Porém, a ação docente não se resume a apresentação do “como se faz”.
Além disso, não havendo restrições para esses profissionais com notório saber, reconhecidos não se sabe por quem, poderemos ver uma invasão de profissionais buscando na educação uma complementação de renda, tal como comumente presenciamos no ensino superior, em especial nas instituições privadas.
(5) Língua Estrangeira
LDB
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MP
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Exige a oferta de pelo menos uma língua estrangeira a partir do sexto ano. | Obriga que o inglês seja a língua estrangeira obrigatória em todas as escolas. |
De uma forma ou da outra, o tratamento da língua estrangeira em nosso país ainda é um grande paradigma que deve ser cobrado.
Enquanto observamos em diversos países o natural domínio de, ao menos, uma língua estrangeira, no Brasil presenciamos uma maioria da população com dificuldades em sua própria língua materna, quanto mais em outra língua.
Outra questão que merece uma discussão é que, se por um lado a língua inglesa tem sua importância natural, dado ao fato de ser uma língua universalizada, não podemos perder de vista a localização geográfica do Brasil e que todos os nossos países vizinhos falam o espanhol, o que dificulta em grande escala o envolvimento do brasileiro com essas culturas e a sua inserção nesses mercados.
A questão é que, seja o inglês, o espanhol, as duas línguas ou qualquer outra, da maneira como são trabalhadas nas escolas não é possível se ter um mínimo de domínio dessas línguas. Portanto, a MP não adiciona nada de relevante neste cenário, revelando novamente uma postura impositiva, característica desse atual governo.
Conforme podem observar, a MP não aponta para mudanças que indiquem uma melhoria na qualidade da educação brasileira. Parece-me mais um esforço governamental para mostrar “trabalho” e indicar para a sociedade o tom que será utilizado no trato de questões de vital importância para o desenvolvimento do país.
É lamentável, porém, que os maiores interessados (partícipes da sociedade) talvez não tenham as condições necessárias para compreender o caminho que está sendo traçado para a educação brasileira e suas consequências para o aumento das desigualdades sociais e da dependência do papel assistencialista do Estado.
André Assumpção
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