Inicio esse texto deixando claro que não sou fã de lutas, embora respeite os praticantes das antigas artes marciais. Também não quero fazer críticas aos programas de Telecatch que, provavelmente, muitos dos leitores não tiveram a oportunidade de acompanhar, ou sequer sabem da existência.
Desde que me entendo por gente, ou nem tanto, mas desde que minha memória começou a registrar lembranças de programas de televisão, estou falando do início da década de 70, lembro-me das engraçadas lutas de Telecatch que, diferente das lutas de box que meu finado pai gostava de assistir, não chamavam a atenção pela violência, mas sim por toda a encenação, pelo drama alimentado pelo narrador e pela atuação de figuras lendárias como Ted Boy Marino, Ali Bunani, El Toro, Tigre Paraguaio etc.
No início, ainda muito criança, não entendia que tudo aquilo era uma grande encenação, mesmo porque o narrador era sempre muito autêntico, conseguia criar uma atmosfera de rivalidade entre os mocinhos e os bandidos desse teatro dos ringues. No entanto, mesmo após perceber que tudo se tratava de encenação, o interesse pelos programas se mantinha, talvez por começar a entender que, no fundo, todos sabiam que era um teatro e ninguém, de fato, tentava esconde isso dos amantes do Telecatch. Em verdade, só as crianças e os desavisados poderiam realmente achar que havia alguma coisa real por trás daquelas lutas.
As crianças da época certamente criaram seus heróis do ringue e, nem por isso, tornaram-se violentas, saíram brigando pelas escolas ou, depois de adolescentes, resolveram sair pelas ruas provocando outros jovens, por terem incorporado o espírito de seus “ídolos”.
Mas então, porquê falar do Telecatch? Em verdade, esse texto se propõe a trazer uma reflexão sobre as intervenções que verificamos naquilo que deveria ser a “vida real”. Quero levantar a discussão sobre a maneira com que o poder econômico, político ou religioso intervém nos elementos que, historicamente, fazem a alegria do povo brasileiro.
Vamos começar coma principal festa da cultura brasileira – o Carnaval. Talvez para um não carioca, ou um não baiano, essa não seja a principal festa da cultura brasileira, mas certamente irão concordar que o Carnaval e, das festas brasileiras, aquela que atrai a maior quantidade de público e, por consequência, a que atrai mais investimentos. Deixando essa discussão de lado, quero focar no que eram os desfiles até os anos 80 e no que eles se transformaram hoje. Estou falando da competitividade, da participação das comunidades, da qualidade dos sambas e da beleza que havia na naturalidade dos desfiles.
Que me chamem de saudosista ou de quarentão com crise de nostalgia, mas era muito melhor. Os sambas de hoje são, na maior parte dos casos, chatos, repetitivos, pobres, pois os autores tem limitações para a composição que não haviam antigamente. Limitações decorrentes, não somente do empobrecimento cultural de nossas escolas de samba, mas em função de definições de padrão de andamento, melodia, harmonia e outros elementos característicos da música. Também não podemos deixar de fora as brigas políticas e a motivação econômica que interferem na seleção dos sambas de enredo.
Os desfiles de hoje parecem marchas imperiais, controlados pelas direções de harmonia, que parecem ser controlados pela direção da rede de TV que os transmitem. A coisa ficou tão monótona e previsível que, para os espectadores que ainda insistem em acompanha-los, tais como eu, ficamos na torcida para que algo dê errado. Ou seja, que algo ocorra fora do padrão.
Fica a impressão que o campeão do carnaval é definido antes mesmo do desfile começar.
Agora saímos do carnaval e entramos no futebol. Quantos de vocês, leitores, não saíram de um jogo – no estádio ou na televisão, com a impressão de que o placar tivera sido combinado antes do jogo? Essa impressão me atormenta desde a famigerada copa da Argentina (1978), cujo resultado, para alguns amantes do futebol e da teoria da conspiração, foi definido num acordo entre a FIFA e o governo argentino.
Ainda em se tratando de copa, não podemos esquecer a derrota do Brasil na copa da França, que deixou muitos brasileiros sem uma explicação minimamente coerente.
Poderíamos ficar lembrando de outras ocorrências como essas, principalmente dos campeonatos regionais e brasileiro. Fato é, que tal como ocorre no carnaval, fica aquela impressão de que os resultados são definidos antes do jogo começar, por elementos que estão fora das quatro linhas do campo, tais como a mídia, a política e os fatores econômicos.
Embora não tenhamos mais os festivais de música, tais como ocorreram principalmente nas décadas de 60 e 70, alguns destes tiveram as marcas da “mão fantasma” que dirige a opinião e os interesses do grande público.
Mesmo sem os festivais, percebemos que esta “mão” interfere significativamente na seleção do que é, ou não, comercial. Define o que pode, ou não, ter um lugar ao sol.
Causa-me uma grande tristeza ver um país com tamanha diversidade de cultura e estilos, com artistas de grande talento, mas que promove na grande mídia uma monocultura, dependendo novamente de fatores econômicos. Tivemos a vez do Rock Brasil, do Axé Music, do Funk, agora do “Sertanejo”. Qual será o próximo modismo criado, ou enaltecido, pelas mídias? O que seremos obrigados a digerir nos próximos anos?
Que tal falarmos agora do MMA? Talvez seja esse o exemplo que mais se aproxime do Telecatch, mas seria uma grande injustiça com os meus “heróis do ringue”, pois para estes, havia uma certa naturalidade na construção dos enredos do teatro que seria apresentado no ringue, talvez pelo fato de movimentar menos dinheiro do que o MMA movimenta.
Também não dá para comparar o estrago que o MMA causa na cabeça de muitos de nossos jovens, o que não ocorria no Telecatch. Embora ainda esteja a mídia tentando criar uma imagem de “marombados bonzinhos” para os lutadores de MMA, o efeito na vida real não é bem esse.
Muitos jovens, incentivados pela violência e pelo impressão de poder causada pelos corpos marombados, procuram as academias para criar verdadeiras facções criminosas.
Sei que não podemos generalizar. Tento continuar acreditando na existência de um mundo real, sem as intervenções que não sejam Divinas. Enquanto não faço parte do “mundo real da mídia”, ou seja, enquanto minhas opiniões não estiverem afetando os interesses da “mão fantasma”, continuo aqui falando do que penso e do que me incomoda.
Falo apenas aos meus alunos, que não se deixem iludir pela mídia. Ser um herói da mídia não é uma tarefa fácil. Apesar dos diversos craques que estão hoje atuando nas várzeas, ou fazendo teste na “peneiras”, existe lugar para apenas um Neymar. O mesmo serve para quem quiser ser um Anderson Silva, um Michel Teló, um Malvino Salvador etc.
Assim, concluo reiterando o que defendo há décadas: o melhor e mais seguro caminho para o sucesso profissional nesse mundo de Telecatch em que vivemos é estudar.
André Assumpção