quarta-feira, 16 de julho de 2014

Editorial: Não é só mais uma crítica à Seleção



A Copa acabou. Durante um mês, o Brasil virou vitrine do mundo. Antes do primeiro pontapé, muitos estavam aflitos, temerosos pelos conflitos e pelos problemas na organização. Talvez a única coisa que não estivesse no conjunto de preocupações de todos era a qualidade do futebol que seria apresentada pela nossa seleção. Mas disso falaremos depois.

Não tivemos tantos conflitos, ou pelo menos a mídia foi muito eficiente em não nos mostrar. O Brasil ficou paralisado por um mês, mas não teria como ser diferente. Se queremos organizar grandes eventos temos que aprender a lidar com esse tipo de problema. Desvelamos uma máfia da venda ilegal de ingressos. Talvez tenha sido essa a nossa melhor participação na copa. Ou será que foi essa a causa de nosso fracasso? O fato é que pegamos a Fifa com a calça nos joelhos. Estou particularmente ansioso pelos desdobramentos do excelente trabalho de nossa polícia.

Tirando os argentinos, de uma forma geral o comportamento dos turistas foi exemplar. Espero que quando chegar Abril de 2015 não tenhamos uma enxurrada de “filhos da copa” sendo paridos nos hospitais públicos das doze cidades sede.

Sem tantas manifestações, sem grandes problemas de infraestrutura, sem maiores perturbações relacionadas à segurança, o mico da copa teria que vir justamente de nossa seleção.

O Brasil possui quase 200 milhões de técnicos de futebol. Somos todos especialistas na ciência da bola. Conhecimento, na maior parte dos casos, esculpido nos grandes campos de várzea espalhados por todo esse país. Uma técnica depurada na observação dos clássicos entre, tal como meu finado pai dizia, “o Arranca Toco e o Quebra Canela”.

Portanto, na qualidade de “especialista” na ciência da bola, me permito fazer críticas ao nosso futebol e à nossa seleção.

Como uma contribuição para os leitores, vou trazer, também para fundamentar as minhas críticas, as escalações do Brasil nas copas de 1958, 1962, 1970, 1994 e 2001, as quais conseguimos nos sagrar campeões do mundo.

Em 1958 tivemos o seguinte time: Gilmar, Djalma Santos, Orlando, Bellini, Nilton Santos, Zito, Didi, Zagallo, Vavá, Pelé e Garrincha. Nessa seleção, podemos dizer que havia dois gênios (Pelé e Garrincha). Esses dois são verdadeiramente pontos fora da curva, tal como dizemos na estatística. Porém, alicerçados por um grupo de estrelas que não pode deixar de ser venerado. Mesmo os amantes do Xadrez irão reconhecer a qualidade de jogadores como Djalma Santos, Vavá, Didi e Zito.

Na copa de 1962 mantivemos a base da seleção de 58. A escalação principal era: Gilmar, Djalma Santos, Mauro, Zózimo, Nilton Santos, Zito, Didi, Zagallo, Vavá, Amarildo e Garrincha. Cabe destacar que, embora fazendo parte do grupo de jogadores, Pelé se machucou na segunda partida disputada pela seleção, no jogo contra a Checoslováquia, e foi substituído por Amarildo. 

Em 1970, contamos com uma constelação de estrelas. Os craques de 70 foram: 
Félix, Piazza, Brito, Carlos Alberto Torres, Everaldo, Clodoaldo, Gérson, Rivelino, Tostão, Pelé e Jairzinho. Além de Pelé, podemos destacar a genialidade de Tostão, Jairzinho e Gérson, não desprezando os demais jogadores. A seleção de 70 é um quadro de necessitaria de muito poucos retoques para entrar na galeria das obras de arte do futebol mundial.

Nessa galeria de arte certamente colocaríamos uma escalação da seleção de 1982 que, embora não estivesse no rol de campeões da copa, contabilizamos como uma das melhores que já tivemos. Só para lembrar, essa seleção contava com pelo menos três jogadores geniais: Zico, Falcão e Sócrates. Porém, como não foram campeões, acabam caindo no trágico foço do esquecimento, característico dos times derrotados.

Em 1994, a seleção era composta por: Taffarel (o primeiro Santo brasileiro), Jorginho, Márcio Santos, Aldair, Branco, Zinho, Leonardo, Mazinho, Dunga, Romário e Bebeto. Desse time podemos considerar, seguramente, três jogadores fora de série: Taffarel, Bebeto e o baixinho Romário. Porém, tal como visto nas demais seleções campeãs, pudemos contar com uma base de dar inveja a qualquer outra grande seleção. A tranquilidade de Aldair, os passes precisos de Jorginho, a valentia do Dunga e o chute milagroso do Branco foram fundamentais para o êxito dessa seleção.

Oito anos mais tarde, em 2002, fomos novamente campeões com uma seleção de craques. A seleção foi formada por Marcos (o segundo Santo brasileiro), Cafu, Lúcio, Edmílson, Roque Júnior, Roberto Carlos, Gilberto Silva, Kléberson, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo (o Fenômeno). Novamente tivemos três extraordinários – Marcos, Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo Fenômeno. Além desses, pudemos contar com excelentes jogadores, tais como Rivaldo, Roberto Carlos, o valente Lúcio e magnífico Cafú. 

Todas essas seleções, mesmo a de 82, jamais serão lembradas por uma única estrela. Em qualquer dessas escalações não podemos sintetizar o time por um único nome. Talvez seja essas uma característica comum em todas as seleções que já foram campeãs de uma copa do mundo.

O que quero dizer é que não existe seleção vitoriosa feita de uma estrela e mais dez coadjuvantes. Seja pela qualidade do futebol, ou pelo conjunto, não poderíamos pensar que uma seleção feita apenas de Neymar poderia ser campeã de alguma coisa.

Não quero ficar chorando pelo leite derramado, muito menos sapatear no senso comum das críticas à nossa seleção. Assim como os demais técnicos de nossa seleção, confesso, eu torci e tentei acreditar que chegaríamos a algum lugar com esse time.

Porém, pensando no futuro e refletindo sobre o que é possível aprender com esse fiasco – quarto lugar numa copa dentro do Brasil é mesmo um fiasco, penso como nosso futebol ainda é amador, embora tenhamos a seleção com o maior número de títulos.

Não entendo isso como uma contradição. Afinal, o futebol tem evoluído e se profissionalizado no mundo inteiro, de forma gradativa. Devemos lembrar que três de nossos cinco títulos foram conquistados num intervalo de 12 anos. Somente vinte e quatro anos depois conseguimos o tetra e, talvez no melhor momento de produção de grandes jogadores conseguimos o penta, oito anos depois.

O fato é que não temos domínio das ciências envolvidas na formação de grandes jogadores. Plantamos e colhemos jogadores tal como fazemos com as bananas. Em qualquer pé de morro encontramos um campinho de futebol recheado de bons jogadores. Esses craques do anonimato são formados pela Divina Providência. Os poucos eleitos que conseguem sair do anonimato, seja pela qualidade do futebol e pela qualidade de seus agentes, jamais receberão lições de futebol. Acreditamos que seu conhecimento está formado em sua genética brasileira. Treinar fundamentos é coisa para jogador de Vôlei ou Basquete. Jogador de Futebol já nasce sabendo tudo dos fundamentos da bola.

Essa crença equivocada está aos poucos definhando com a qualidade do nosso futebol. O plantio mal feito, as colheitas antecipadas e as sementes de má qualidade estão acabando com a nossa produção de craques e deixando o nosso solo cada vez mais impróprio para um novo plantio.

Faltou time, faltou técnica, faltou energia. O vigor apresentado na cantoria do hino fez falta quando o apito soprou e a bola rolou. A falta de profissionalismo gerou uma cicatriz de sete gols, que só não é maior que as cicatrizes geradas pela educação de má qualidade.

No Brasil, a política do futebol é de mesma natureza das políticas educacionais, de saúde, de segurança etc. Sem profissionalismo, sem ética e sem planejamento.

André Assumpção



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário!

Quem sou eu

André Luiz Monsores de Assumpção é matemático, educador, professor universitário e escritor. Mestre em Educação Matemática. Foi Coordenador dos cursos de Licenciatura em Matemática e Licenciatura em Pedagogia, Pro-Reitor de Graduação do Centro Universitário, Diretor Geral de IES e Gerente Acadêmico. Consultor educacional. Alice Soares Monsores de Assumpção é advogada, professora universitária e de cursos preparatórios para concursos, graduação e pós-graduação, assessora legislativa e consultora. Mediadora Judicial. Mestre em direito pela UERJ.